Dor n'alma. Meninas do Brasil dão adeus ao sonho do tricampeonato olímpico
Brasil toma nó tático da China, perde por 3 a 2 e está fora da briga por medalhas na Rio 2016
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- Vicente Almeida
- Esportes
- 17 Agosto 2016 - 04:10
Existem derrotas que nos fazem bem. Existem derrotas que nos fazem mal. Existem derrotas que a gente nem liga e existem derrotas que devastam nossa alma. Foi justamente uma derrota dessas que devastam a nossa alma que se abateu sobre a seleção feminina de vôlei na noite desta terça, no Maracanãzinho. É difícil para aquele que não acompanha o esporte no dia a dia, entender como uma seleção formada por atletas do mais alto nível do planeta possa ser surpreendida por um time jovem que ainda busca seu lugar ao sol. E, pior, o que agrava essa situação que permeia o imaginário popular, é saber que as bicampeãs olímpicas, medalha de ouro em Pequim 2008 e Londres 2012, são seres humanos e não aquelas heroínas invencíveis que nos acostumamos a ver jogo a jogo na televisão. Se antes das Olimpíadas começarem tínhamos a certeza que as meninas do Brasil conquistariam uma medalha, provavelmente a de ouro, já que jogavam em casa e contariam com o apoio insuperável das arquibancadas. Um bônus capaz de fazer atletas de outros países sucumbirem aos nossos “Silvas”. Hoje, fica aquela sensação que poderia ser diferente.
Mas será que poderia ser diferente mesmo? Culturalmente, o brasileiro tem o hábito de eleger um culpado para os seus fracassos. Será que passa pela cabeça dessa gente que o adversário possa ter tido o mérito de vencer? Pois, é! Foi justamente o que aconteceu. As chinesas mereceram a vitória. Apesar de cometerem tantos erros quanto as brasileiras, souberam jogar a pressão para o outro lado da quadra e desestabilizaram suas concorrentes quando precisaram. Poxa, mas a Dani Lins poderia ter distribuído as bolas no meio da rede na hora que o técnico pediu, no fim do segundo e não no meio do quarto set. Sim, poderia. E quem garante que as chinesas, que deram um banho tático no time brasileiro em todo o jogo, não marcariam essa jogada? Não é muito infantil cravar uma falsa verdade dessas? Poderia dar certo e poderia dar errado. Não tem como dizer. Pô, mas a Natália não estava como em outras partidas. Verdade, mas por isso o conjunto se chama seleção brasileira. Se Natália e Sheilla não estavam em uma grande noite, Fernanda Garay foi a maior pontuadora do Brasil e segunda maior da partida. Ou seja, supriu a suposta deficiência das companheiras. Mas o Zé Roberto podia parar o jogo no segundo set, quando o Brasil tinha sete pontos de vantagem e as chinesas começaram a encostar no placar. Lembrei-me de Atenas, de novo. Fiquei louco com o Zé porque ele não parou a partida naquele quarto set. Doze anos atrás, faria diferença. O time só precisava de uma bola. Hoje, não adiantaria nada. A seleção brasileira foi envolvida taticamente pelas chinesas. Mesmo assim, comparar essa partida com aquele do outro esporte, o tal do sete a um, é uma covardia. Mesmo anuladas taticamente pelas adversárias, as brasileiras poderiam vencer ou, pelo menos, acreditaram que poderiam até a última bola cair.
BRASIL BOBEIA, PERDE GRANDE VANTAGEM E CHINA EMPATA
A China começou melhor no segundo set. As brasileiras reagiram, impuseram seu jogo e viraram a contagem com belas bolas de Natália e Sheilla. Na entrada de rede, Fernanda Garay garantia todos os ataques. O jogo estava disputado, para conquistar o nono ponto, as brasileiras tiveram que vencer um rally com mais de trinta segundos. As bicampeãs abriram cinco pontos de vantagem. Zé Roberto Guimarães solicitou o desafio eletrônico pedindo toque na rede da chinesa, que não foi confirmado pela arbitragem, dando a impressão que usou o artificio apenas para travar a partida. O time da casa simplesmente começou a se complicar sozinho. A recepção de bolas estava com dificuldades e o passe passou a sair quebrado. O técnico brasileiro demorou em pedir o tempo técnico chamando as chinesas para cima e empataram em onze a onze, tirando cinco pontos de desvantagem. Mesmo com os problemas o Brasil pontuava e abriu três pontos novamente. As asiáticas resistiam no contra ataques e passaram a frente com o ace de Zhang. Novamente, atrás no placar, a técnica Ping Lang mexeu na disposição tática de sua equipe, colocando três reservas em quadra e fazendo a inversão da levantadora com a oposta. Como as donas da casa marcaram três pontos seguidos, a chinesa parou a partida e pediu seu primeiro tempo técnico. Thaisa voltou a quadra e no erro de recepção de Natália, mais uma vez o jogo estava empatado. A comissão técnica brasileira pediu tempo técnico e, na volta, quebrou a sequência de pontos das adversárias. Ping colocou a ponteira Liu em quadra e liberou a marcação sobre a destaque do time, Zhu. Com um ponto de cada ponteira, a China fechou o set por 25 a 23 e empatou o jogo, comemorando muito na quadra do Maracanãzinho.
MUDANÇA TÁTICA DAS ASIÁTICAS DECIDE O SET
A terceira parcial começou tensa. Logo no primeiro ponto, as brasileiras erraram, a bola caiu e o ponto foi chinês. Zhu errava de um lado, Natália de outro. Depois de uma bela disputa, com várias trocas de bolas, o ponto foi brasileiro. As chinesas cometeram um erro de posicionamento, Brasil na frente. A brasileira tocou na rede, China passou à frente. O técnico brasileiro solicitou desafio eletrônico contestando a marcação de bola dentro do juiz. As imagens confirmaram que a bola foi fora e o ponto era das donas da casa. Os dois times mostravam ansiedade, errando algumas bolas bobas. As donas da casa passaram à frente em um ataque que bateu na cabeça da chinesa e saiu. Na sequência, após um grande levantamento da líbero Leia, Natália cravou a bola no chão, abriu dois pontos de frente e obrigou a técnica chinesa a parar o jogo. Liu, que já havia entrado bem no set anterior, voltava a jogar e virava todas as bolas. Jaqueline entrou no lugar de Natália com fome de bola. De cara, fez um ponto na largada de bola e depois atacou para fora. As asiáticas tomaram a dianteira do placar e Zé Roberto parou a partida pedindo o primeiro tempo técnico. A levantadora Dani Lins insistia nas jogadas pela entrada e pela saída de rede, evitando os lançamentos pelo meio. Sheilla que andava meio sumida na partida recebeu na linha dos três metros e cravou a bola no chão das oponentes. Na jogada seguinte, Liu devolveu na mesma moeda. Zhu atacou desequilibrada, a bola tocou no bloqueio e caiu, em seguida, erro na recepção brasileira e a China abria três pontos. O time bicampeão olímpico parou o jogo. A expressão de preocupação tomou conta do rosto das brasileiras e das adversárias, ficaram com quatro pontos para fechar a passagem. As brasileiras esboçaram uma reação, marcaram dois pontos e Ping Lang parou o jogo. No retorno, Zhu soltou o braço, desmontou a líbero Leia e fechou o set em 25 a 22, virando a partida para 2 a 1.
BRASILEIRAS REAGEM E SEGUEM NA BRIGA
Quarto set, bola em jogo e para as brasileiras só restava a opção da vitória. Outra derrota enterraria o sonho do tricampeonato olímpico. A maré havia virado completamente, a China pulava na frente. Dani Lins seguia distribuindo as bolas para as pontas, contrariando, inclusive, seu técnico que pedia as jogadas pelo meio de rede. Fernanda Garay era a jogadora mais acionada naquele momento. Wei atacou no corredor, Yan marcou de saque, com a China dois pontos na frente, Zé Roberto parou o jogo com o pedido de tempo técnico. O Brasil empatou na condução da atleta adversária. O árbitro errou a marcação do ataque chinês e a técnica solicitou o desafio eletrônico, mostrando que a bola havia sido dentro. O jogo esquentava de novo. Em uma grande disputa de bola, houve o toque na rede brasileira, depois, ataque para fora e a desvantagem no placar subia para três pontos. As meninas do Brasil se entregavam em quadra, mas não conseguiam transformar o suor em pontos. Ace de Fabiana confirmado pelo desafio eletrônico e Lang Ping parou a partida com o pedido de tempo. Natália cravou, Juciely bloqueou e no erro das chinesas o Brasil pulou na frente, abrindo dois pontos. O jogo era muito disputado, a técnica da China mexia na disposição de seu time para frear a reação das bicampeãs olímpicas. Dani Lins finalmente passou a colocar as bolas no meio de rede, principalmente, com Juciely. A sorte parecia ter virado de lado e o time asiático cometeu um erro inacreditável quando a levantadora colocou a bola do outro lado de quadra, que estava vazio. Fabiana passou por trás da levantadora e colocou a bola no chão. Três pontos de vantagem e tempo técnico das chinesas. Fabiana errou o saque e a chinesa devolveu. Gabi entrou para sacar balanceado, mas a China virou bem. Natália virou a bola deixou o Brasil a um ponto do empate que veio com o toque na rede da chinesa. 25 a 22 para o Brasil e partida empatada em dois sets a dois.
ZHU SE AGIGANTA E DECIDE A PARTIDA
O ultimo set não seria diferente do que havia sido o jogo até aquele momento, ou seja, uma batalha tática e técnica com inúmeras variações. Zhu abriu a contagem e Juciely empatou na bola de meio de rede. A china colocava a bola para frente e o Brasil abria um ponto. As brasileiras erravam o levantamento e as chinesas passavam na frente outra vez. Fernanda Garay acertou a mão e, mesmo com uma defesa espetacular da chinesa, a bola não voltou. A técnica chinesa parou o jogo e deu uma bronca em suas comandadas que estavam errando muitas bolas. Sheilla voou e colocou a bola no chão. Liu decolou do outro lado e devolveu o ponto. Zang atacou na saída de rede, após passagem de bola de graça das brasileiras. Natália atacou para fora, Zhu marcou o ponto, a China abriu dois tentos de vantagem e Zé Roberto pediu o tempo técnico para esfriar as adversárias. O time do Brasil parecia mais nervoso e quase desperdiçou um ponto importante no erro de levantamento para Natália que só conseguiu marcar o ponto na segunda chance. As meninas apertavam e Fê Garay virou mais uma bola. A ponteira Zhu era se agigantava em quadra e buscou mais um ponto para as chinesas, abrindo dois pontos. Porém, as brasileiras erraram dois saques quando não poderiam e deixaram as Chinesas com os pontos do jogo. Fabiana tirou o primeiro com um ataque rápido no meio de rede e a técnica asiática parou o jogo. Deu certo! Mais uma vez, Zhu explorou o bloqueio triplo do Brasil, fechou a quinta passagem por 15 a 13 e a partida em três sets a um.
Com os olhos marejados, Natália falou dos problemas que o time brasileiro encontrou em quadra, da força de vontade das chinesas e mirou nas Olimpíadas de Tokyo, em 2020.
- A gente começou muito bem com todos os fundamentos funcionando, bloqueio, saque e defesa. No segundo set, a gente parou e deixou o jogo escapar. A bola não subia e elas estavam muito bem, tanto que viraram o jogo. Nos entregamos, nos dedicamos, fizemos o possível, mas não deu. Não faltou raça, não faltou coração, demos o máximo, mas perdermos. Esporte é isso. Talvez, a gente tenha se desconcentrado um pouco. Nosso saque piorou e não quebrava mais o passe das chinesas. Elas passaram a acreditar e como são meninas novas que tem muita vontade, acreditaram, lutaram e conseguiram. Foi mérito delas. Esses Jogos são um marco em nossa vida. Todo atleta sonha em disputar uma Olimpíada em casa e nós tivemos essa chance. Esperávamos que pudesse ser diferente, mas não foi. A torcida deu muita força após o jogo, pois sabe que nos dedicamos. Vou poder dizer que vivi para disputar uma Olimpíada no meu país e jamais vou esquecer. Mas o Japão é logo ali. Quatro anos passam rápido – descontraiu a emocionada ponteira brasileira.
Meio de rede, Fabiana anunciou que se aposenta da seleção esse ano, que pretendia terminar com outro resultado e lembrou-se das medalhas de ouro de Pequim e Londres no adeus.
- Sinceramente minha ficha ainda não caiu. Acreditava muito nesse jogo e a equipe também acreditava. Sabia o tempo inteiro que pegaríamos um grande time como a China. Paramos de pressionar no segundo set e nosso saque passou a não entrar. Mas voltamos ao jogo e lutamos o tempo inteiro. Esse é meu ultimo ano na seleção. Queria ter saído com a medalha no peito. Estou na quarta Olimpíada, sei da minha história e tenho que valorizar. Afinal, são dois títulos olímpicos. Queria ser campeã, mas vida que segue. Só tenho a agradecer - lamentou.
As chinesas seguem em frente e enfrentam a Holanda na semifinal. Após a partida, Sheilla e Fabiana anunciaram que estão se aposentando da seleção e irão se dedicar somente a seus clubes.
FICHA TÉCNICA:
Brasil 2 x 3 China
Local: Ginásio do Maracanãzinho
Data: 16 de agosto de 2016 (terça)
Horário: 22h35m (de Brasília)
Centrais
Adenízia
Fabiana
Juciely
Thaisa
Levantadoras
Dani Lins
Fabíola
Libero
Léia
Oposta
Sheilla
Ponteiras
Fê Garay
Gabi
Jaque
Natália
Técnico: José Roberto Guimarães